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Paulo Lins, Magnoli e a roda viva do racismo

Paulo Lins foi vítima de racismo ontem no programa Roda Viva que entrevistou Demétrio Magnoli. Eu quero deixar claro que ao dizer isso, não estou falando que a direção e produção do programa e da emissora, os entrevistadores, o entrevistado Magnoli, ou a apresentadora Marília Gabriela são ou foram racistas. Mas Paulo Lins, o único negro, pardo, afro-brasileiro, ou chame como quiser, o único não-branco na mesa, foi vítima de racismo. Parece contradição mas não é.

Magnoli foi chamado para ser entrevistado pelo programa. Como um dos seus temas é a questão das cotas raciais, a produção sentiu necessidade de ter um negro na mesa, para fazer o “contraponto”. É o segundo programa da nova fase do Roda Viva. Semana passada entrevistaram Eike Batista. Nenhum dos entrevistadores era negro, e imagino que a produção não sentiu essa necessidade. Para debater cotas, Paulo Lins foi chamado, além do seus predicados, por ser negro, era a resposta sincera que ele queria ouvir. Por isso foi racismo. E foi vítima, porque ficou ali não no seu papel de escritor, de pensador. Mas de “negro”. Objetificado. De novo, não quero dizer que todo a produção, ou os demais participantes eram racistas, ou que todo o Roda Viva deveria ter 1 negro, ou dois, ou três. Eu quero mostrar que o problema é mais fundo, que o buraco é mais embaixo.

Quando Paulo Lins apontou “Você sabem por que eu estou aqui?” causou comoção nos membros da bancada e no entrevistado. Eles agiram como se tivessem sido, pessoalmente, acusados de racismo. Paulo Lins ensaiou apontar que entre os técnicos havia uma proporção de negros muito maior do que a bancada. Mas parou no meio do caminho, de arrebentar de vez, de colocar um pouco de verdade naquilo ali. Pena que não fez isso. Pena que o Roda Viva não é mais “Vivo”, ao vivo. Porque são nesses momentos de rompimento que a verdade invade a TV.

O problema é o seguinte, simples assim: as condições objetivas entre brancos e negros no Brasil, oportunidades educacionais, condições financeiras, tratamento da polícia e do judiciário, são desiguais. Isso gera situações onde para debater cotas em um programa de TV, inclusive para falar mal delas, é necessário adotar uma “cota racial” entre os participantes do debate, para legitimá-lo. Se as condições objetivas entre negros e brancos fossem iguais no Brasil, não só as cotas não seriam necessárias, como seria natural termos uma diversidade maior na TV, nos cargos governamentais, nas universidades, nos cargos de direção de empresas. Tão natural que talvez pudéssemos debater questões raciais sem se sentir “obrigado” a convidar um negro para legitimar esse debate. Mais, provavelmente nem precisaríamos ter esse debate. Alguém debate discriminação de descedentes de japoneses no Brasil? Não…

É por isso que ações que promovam a igualdade e a diversidade no Brasil são tão importantes. E digo o seguinte: eu me identifico com parte dos argumentos do Magnoli. De outros tenho nojo. E acho suas conclusões completamente estúpidas.

Eu me identifico em relação ao ideal, enquanto ideal, de democracia racial, miscigenação e escolhas culturais do Brasil, é melhor do que  o projeto de sociedade multicultural (com grupos raciais separados) dos Estados Unidos. Mas isso enquanto ideal e objetivo, porque essa ideia não pode ser uma farsa construída em cima de um cotidiano de desigualdade e opressão racial.

E as bobagens, as construções intelectuais patéticas dessa turma do Ali Kamel, Magnoli, Demóstenes Torres, são de doer. Por exemplo, todas essas tentativas de desconectar racismo e escravidão. Ontem Magnoli, disse que o racismo surgiu depois da abolição, para discriminar os que antes eram separados pelo estatuto da escravidão. Essas conversas, e outras como de que houve negros donos de escravos, de que os africanos ajudaram no tráfico de escravos, e de que havia escravidão tradicionalmente na África.São fatos históricos. Mas e daí? O que é óbvio, e claro que eles tentam apagar dizendo isso? Parece que eles estão querendo discutir algo como “os negros/africanos não eram todos bonzinhos e os brancos maus”. Mas não é essa a questão, nem isso que está sendo dito! Ao contrário, quem é contra o racismo defende que o ser humano é igual independente de cor! A questão fundamental, concreta, óbvia, é que historicamente milhões de brasileiros descendentes de africanos foram trazidos ao Brasil à força, explorados,  assassinados etc…E que as consequências disso se estendem na condição social atual do seus descedentes e em uma série de práticas das instituições brasileiras que não foram reparadas objetivamente ou corrigidas até hoje. Barrar essas ações e deixar que a inércia resolva isso é negar que essa discriminação ainda existe hoje e ser cúmplice com ela. O problema não é o legado histórico por si só. E não fazermos nada hoje para mudá-lo.

Os brancos da mesa, principalmente Marília Gabriela e Magnoli, se mostraram incomodados com as dificuldades em “nomear” os negros, ou pretos, ou afro-brasileiros. Reclamaram do politicamente correto, da patrulha. Tadinhos. Queridos, deixa eu explicar para vocês:  quando há respeito, quando a relação é entre iguais, você provavelmente chamará a pessoa pelo nome. E poderá fazer  piada, ele fará de volta, chamar de negão, o outro te chama de alemão etc…

Quando não for motivo de espanto o Joaquim Barbosa ser o único ministro negro do Supremo Tribunal Federal. Quando for absolutamente natural a diversidade em todos os espaços e as pessoas tiverem oportunidades iguais e se bancarem pelos seus méritos, não vai ter problema, inclusive, a mesa do Roda Viva ter apenas brancos.

Quando Paulo Lins for chamado para participar do Roda Viva por ser Paulo Lins. E não por ser negro, ou preto, afro-brasileiro, pardo, nomeie o “outro” como quiser,  para discutir cotas. Quando houver igualdade objetiva, igualdade de condições sociais entre negros e brancos no Brasil. Nesse dia não importará muito como você chamará o outro. Não será necessário, nem lembrado, o politicamente correto. Porque a igualdade será real, não uma questão de linguagem. Porque Paulo Lins não será o outro para dar colorido a mesa. Seremos todos iguais com pleno direito às nossas diferenças.

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Os retardatários do atraso – ou a imprensa e Serra

Acabei de ver pela primeira vez o “novo” Roda Viva, entrevistando Demétrio Magnoli. Ainda volto ao tema. Mas enqanto assistia  pensei em Serra, na TV Cultura, na nossa grande imprensa, nas bancas nos dias de hoje, na Veja, que eu já analisei tanto, Folha de S. Paulo, direita brasileira etc… E a guerra santa deles contra blogs, twitter, Lula, Dilma, a popularidade do presdente etc…
Eu não pensei sozinho não. Conversei muito com a minha irmã. “Não tenho jornal para ler. É tudo idiota, fascista, mentiroso. Eu não posso ler uma crítica justa ao governo, bem feita.”
A questão toda é essa. Nesse mês que vai até as eleições e talvez por um tempo depois, vamos ver um espetáculo muito tosco. Onde jornal é Folha de S.Paulo, revista é Veja, e intelectuais são o Reinaldo Azevedo e o Magnoli. Essas são as referências deles…
O ponto é que se não fossem tão fiéis à suas próprias naturezas – toscos (a palavra merece ser repetida), preconceituosos, isolados na sua visão de elite ou classe média arrivista e medrosa –  talvez pudessem de fato construir críticas aos aspectos negativos que existem no PT e no governo. Talvez conseguissem construir uma alternativa. Talvez conseguissem ser a oposição que querem ser. Quem sabe até cumprir uma função pública construtiva como oposição. Mas hoje o atraso no Brasil está conseguindo ser incompetente até no seu papel de ser reacionário…(essa tese de mestrado de Fabio Jammal Makhou, na PUC-SP é genial nesse sentido, ao mostrar que a tosquice da Veja em tentar derrubar Lula só fortaleceu Lula).
A mídia diz que é problema do Serra, que não parte para o confronto direto, ou do PSDB, que não fez oposição por 8 anos. Serra acha que falta apoio da mídia. O problema são sempre os outros. Não enxergam que se merecem, são espelho um do outro: toscos, avessos ao debate, a organização, incampazes de atuar no longo prazo ou construir instituições que funcionam, adeptos dos conchavos, traições e personalismos.
O que dizer de um candidato cujo “plano de governo” são dois discursos seus… E que se defende “mas eu escrevi mesmo os discursos”. Plano de governo deveria ser uma peça séria desenvolvida por gente de várias áreas em debates inteligentes, cobrindo e integrando temas complexos com propostas de políticas públicas. Não redações: “O que eu farei como presidente”, não importa quem seja o autor.
O que dizer da Folha de S.Paulo?  O que as pessoas tem que fazer para se tornarem chefes naquele ambiente? Ou na Veja? Quanto diversidade foi expulsa da imprensa no eixo Rio-São Paulo-Brasília? Eu tenho hoje dó de ver essa burrice de Merval Pereira, de Augusto Nunes, tentando achar em seus repertórios pobres, em sua cultura de salão, no meio da sua empáfia que deve ter sido muito útil  para chegarem onde chegaram, uma saída para se contrapor ao “apedeuta”, ao “analfabeto”, ou para não serem humilhados em blogs feitos por pessoas no seu tempo livre… eles ficam tentando travestir de “análise de política” tentativas desastradas de consultoria política ao PSDB. É ridículo.
O que sobrou na oposição? É importante lembrar que eles não são a elite, o capital, os poderosos, o fisiologismo, ou mesmo muitas das oligarquias. A maioria desses, os mais ponderados, sensatos, ou mais espertos no cuidar dos seus interesses também estão com a Dilma. O mercado financeiro está com o PT, o que é bizarro em muitos sentidos. Mas um dos mais interessantes é ver o que sobrou, nessa imprensa mais realista que o rei, mais tucana que os tucanos, exposto para quem quiser ver:
a burrice e o preconceito estão desnudos.
Voltemos ao Roda Viva. Tradicionalmente um espaço de debate, de entrevistas amplas que vem desde a redemocratização do país. O PSDB finalmente conseguiu destruí-lo. Por causa de uma pergunta sobre pedágios feito ao Serra, finalmente acabou sua pluralidade, diversidade e colocaram no comando a apresentadora mais perdida e rasa de toda sua história, nada pessoal contra a Marília Gabriela, é só uma pessoa completamente deslocada de onde deveria estar, para ser útil a essa imbecilidade. Dois jornalistas medalhões “caga-regras” fixos, independente de serem quem são, e até respeito o Paulo Moreira Leite, mas em plena era onde esses tipos ficam cada vez menos relevantes e patéticos…E só dois  convidados rotativos.
Como Magnoli é opositor das cotas, deram de chamar em uma dessas vagas o escritor Paulo Lins. E Paulo Lins, a certa altura, apontou o óbvio, denunciou a farsa estrutural de sua presença ali: por que ele era o único negro na mesa? E por que eles não notavam que ele era o único negro na mesa de entrevistadores, mas que entre os técnicos a proporção de negros era maior? Todos se indignaram, se ofenderam, e reagiram em uníssono contra Paulo, como se  que ele tivesse dizendo fosse racismo, depois tratando-o de forma condescendente.
Típico! Típico! Típico!
O que Paulo Lins tentou foi denunciar que sua presença ali era uma espécie de “cota racial”. Ou concessão. Para fazer o papel de negro que defende as cotas.Imagine a produção “xi, o Magnoli  ataca as cotas, mas não tem nenhum negro na bancada. Ah, vê se o Paulo Lins pode vir…”
No fim, Magnoli, talvez tenha feito forma perversamente calculada, mas provavelmente de forma incosciente, comentou as participações de todos os entrevistadores. Menos de Paulo Lins. Menos do negro que estava ali para justificar que eles não eram racistas, que não havia discriminação no debate. Para “fazer uma pose” e “dar um colorido” ao debate.
Essa gente não nota que faz essas coisas. Não nota o quanto discrimina. Não nota quanto oprime a empregada. Não nota a arrogância idiota e ignorante de São Paulo em relação ao resto do país. Não nota e não quer reconhecer o que os últimos 8 anos representaram – no campo simbólico, mas ainda mais na prática – para o Brasil. Não percebem que isso é obra de muito mais que um homem, ou partido, mas de uma trajetória do país. Preferem dizer que tudo foi conquistado por FHC, para não quebrar sua escala de valores simbólicos. Falam demais. Ouvem muito pouco. Não enxergam nada que escape aos seus preconceitos. Vão para a Europa e Estados Unidos, e não entendem porcaria nenhuma, confundem primeiro mundo com ostentação. Nesse mês  que estarão histéricos  tudo isso será ainda pior.
Não é por causa do PT, de Lula, das pessoas de esquerda que essa gente está esfarelando. É culpa da indigência mental, moral, de projeto, de relação com o Brasil  que eles tem.
Esses nossos compatriotas…pareciam imbatíveis, tão pouco tempo atrás…que decepção…Mas era de se esperar que o programa de incentivos à burrice deles fosse terminar nesse show tosco que estamos vendo nos jornais e TVs deles esses dias.

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Dos trapalhões para o Ali Kamel

Este vídeo dos Trapalhões que passou na TV Globo em 1980 é a melhor “resposta” que eu já vi ao livro de Ali Kamel “Não somos racistas” de 2006.  No livro ele faz análises estatíscas para dizer que não existe discriminação racial sistemática na sociedade brasileira. Mais ou menos como as análises da fila do banheiro. Salve Mussum!

Vale aproveitar a carona e mandar esse aqui, do Mussum com os Originais do Samba no programa Ensaio, em 1972. Muita gente ainda não sabe que Mussum era um músico genial. Vale destacar, além dos Originais do Samba, incríveis, um dos seus discos solos chamado “Água Benta”, que é demais.

 

 

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