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Globo X Vida ou porque eu não assisto BBB ou novela

Já notou como a Globo não fala de cinema, a não ser os lançamentos da Globofilmes? Ou de livros? Como praticamente não tem agenda cultural, exceto peças das pratas da casa no Video Show? Que os jogos de futebol a noite começam “depois da novela X” e não em um horário determinado?

Não é coincidência ou teoria da conspiração. Existe uma coisa na emissora chamada “rec” (de recomendação), que determina que a Globo não noticia sobre livros e cinema, assim como só noticia depois de acontecidos jogos de campeonatos, como o espanhol e o italiano, que ela não transmite. Uma das justificativas é para não fazer “propaganda gratuita”. A outra questão é que a emissora os considera concorrência.

Para uma empresa com as ambições, histórico e a escala monopolista da Globo é ingênuo achar que seus concorrentes são apenas a Record, Band, SBT ou os canais a cabo (onde ela tem participação na assinatura e nos canais da Globosat). As novelas e os BBBs tem que ser consumidos como hábitos e “fenômenos culturais” amplos. Tem que ocupar um espaço midiático e de tempo do público enorme. Assim, concorrem com tudo. Concorrem com a vida.

Tem que tomar seu tempo, toda a noite, a cada noite. Suas conversas com os amigos e as famílias. O espaço das notícias nos jornais e portais, inclusive de outras empresas. Suas preocupações e um pouco da sua ansiedade.

A minha questão com eles então é simples: não merecem meu tempo. Bem, posso ceder um pouco para critícá-los…

São má dramaturgia, no caso de 90% das novelas, e mau karma (no caso do BBB) que ocupa tempo demais para pouco retorno. Respeito as pessoas que trabalham, seus talentos e seus empregos, deve ser divertido e trabalhoso fazer. Mas tenho coisa melhor com meu tempo que assistir.

Não é questão de se achar melhor, ou que não posso perder tempo. Eu acho que eles não merecem também seu tempo, embora possa fazer com ele o que quiser (claro). Tempo também existe para ser “perdido”, para ser livre, mas prender-se ao hábito de BBB e/ou novela não é tempo livre.

São entre 1 até 3 horas por dia, seis dias por semana, sempre. Cada novela tem mais de 120 capítulos/horas. São pelo menos 10 livros. 60 filmes. Você poderia aprender a cada novela a tocar um instrumento musical. Umas 3 novelas, um idioma novo. Ou sair com os amigos. Ou fazer exercício. Ver um show ou teatro. Ou conhecer os vizinhos, povoar as ruas do seu bairro e fazer renascer um espírito de comunidade. Escrever um blog. Ou mesmo encher a cara e falar besteira com os amigos (beba com moderação).

Ou um pouco de cada.

O hábito, ou vício, da programação “tudo a ver” é uma preguiça cotidiana perante a vida. É inércia depois de um dia de trabalho, que gera mas inércia. É um hábito privado e fechado. Não a TV em si. Mas como se consome TV nesse conceito de grade da Globo (ainda bem, cada vez mais em decadência) que enfim, é insustentável e fruto de outro tempo, não tem como se manter concorrendo com o mundo.

Nas redes sociais as pessoas adoram falar de TV. Isso é natural. As redes sociais, principalmente o twitter, servem como um espaço onde as pessoas voltam a compartilhar um senso de pertencimento ao assistirem a mesma coisa, de algo comum, que havia sido perdida com a multplicação de canais e a vida urbana cada vez mais solitária. (A Fast Company do mês passado publicou um artigo sobre a integração Twitter+TV)

Mas eu prefiro esse pertencimento para as coisas utéis e inúteis mais espontâneas ou mais importantes (como as eleições, cuja presença irritou tanta gente nas redes) do que para uma máquina repetitiva de dragar e vender nosso tempo e atenção (que é o verdadeiro produto que a TV repassa aos seus anunciantes), e produzir esquecimento.

Os BBBs, particularmente, são sádicos por natureza, com a exploração das nossas tentações de julgar as pessoas e pretensas polêmicas de costumes em uma arena que é, quase por natureza, 90% dos preconceitos (não nego que possa ter exceções, mas a natureza do jogo e dos julgamentos é por si, cruel e moralista).

Um grande professor que tive, Arlindo Machado, gosta de dizer que não podemos esquecer o conteúdo do que passa na TV ao criticá-la. BBBs e novelas em geral são tão ruins que nem quero entrar nesse mérito. Para mim vem antes a questão da forma e a presença desses hábitos na nossa vida.

Colocando de outra maneira: já imaginou que chato seria um reality show onde todos os participantes apenas ficassem assistindo TV? Sem graça, né? Opa, não é a sua vida?

PS: Esses dias, meio por acaso, dei de cara com o filme “Wonderwall”, de 1968. O filme conta a história de um cientista solitário que faz frestas na parede e fica fascinado com a vida e a mulher de seu vizinho, um fotógrafo de publicidade (não por acaso) “descolado” (sic) que faz festas, sexo e sessões de drogas e fotografias no seu apartamento. O simbolismo, o ritmo, trucagens, psicodelia e o colorido fantástico, além de certa ingenuidade, são típicas da época. Mas enfim, por outro lado atualíssimo, sobre espiar ao invés de viver.

 

 

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