Para explicar o que acho da polêmica discussão sobre os legados e papéis de Fernando Henrique Cardos, o FHC, e Luís Inácio da Silva, o Lula, na indiscutível melhora recente da situação do Brasil, resolvi vestir a pátria de chuteiras e usar como ampla metáfora algo que muitos de nós entendem melhor do que política e economia: futebol!
É como se os últimos 16 anos fosses duas partidas de 90 minutos, cada mandato de 4 anos os 45 minutos de um tempo de jogo. FHC foi o técnico na primeira partida, Lula na segunda. Quem é o adversário? Vamos dizer que são as “forças ocultas”, os problemas do país. E vamos ao jogo, que é bola rolando meus amigos!
O jogo começa com o time de FHC marcando um golaço com o Plano Real e já saindo 1 X0. A maldição chamada memória grande não me deixa esquecer que o gol foi marcado quando FHC ainda era jogador/assistente técnico de Itamar Franco, mas o time já era praticamente dele. Esse gol era muito esperado, e levou a torcida ao delírio, todo mundo comendo yogurte e frango na arquibancada. O time se empolgou um pouco com esse 1×0 e o tratou como goleada. Vendeu jogadores importantes (telefonia fixa, Vale do Rio Doce) por valores baixos para clubes estrangeiros. E seguindo a orientação dos assistentes Gustavo Franco (volante de contenção que não sabia dar qualidade a saída de jogo) e Pedro Malan, o time passou a jogar extremamente recuado (juros altos e câmbio sobrevalorizado) tocando a bola lá atrás perigosamente.
Essa foi a dinâmica de todo o primeiro tempo, com a torcida empolgada com a vantagem e apenas alguns críticos apontando que não dava para seguir com aquela tática para sempre. Aqui e ali o adversário ameaçava o gol brasileiro, e a resposta era mais do mesmo, recuar com troca de passes perigosos na frente da área. Um jogador da Ásia e um da Rússia meteram bolas na trave do escrete brasileiro. Mas a trinca da comissão técnica FHC-Malan-Franco não mudava o padrão de jogo e com uma ajuda do juiz FMI conseguiram se segurar por todo o primeiro tempo. FHC foi reeleito em 1998 para comandar o escrete canarinho por mais 45 minutos.
Mas o segundo tempo iria parecer o do Brasil e Holanda da última copa. Logo no começo, em janeiro de 1999, um gol dos mercados especulativos empatou tudo, 1X1 e o real e o jogo ficaram em risco. Gustavo Franco deu uma de Felipe Melo e foi expulso do banco (central) sendo substituído por Armínio Fraga, que conhecia muito da tática do adversário por ser olheiro do time deles.
Armínio mudou o padrão de jogo, soltando o câmbio livre para flutuar e instalando um sistema de metas de inflação para ordenar a defesa. O Brasil não chegou a ir para o ataque, mas o adversário também já não chegava toda hora na cara do gol. Com o passar da crise e melhora das exportações, em 2001 o Brasil começou a se arriscar mais a frente.
Mas desde o primeiro tempo a comissão técnica não prestava atenção para o zagueiro setor elétrico. Os críticos apontavam que o veterano andava lento e precisava de um reforço muscular. Enquanto o time estava na defesa, tudo bem, ele se posicionava com qualidade. Mas assim que o Brasil começou a avançar, e o crescimento econômico ameaçou voltar, ficou claro que ele não seguraria os atacantes adversários nos contra-ataques. E foi assim, que em em 2001, houve o apagão elétrico. O zagueiro teve caimbrã, e foi praticamente um gol contra, com recessão, por falta de planejamento do preparardor físico de FHC, Pedro Parente.
2X1 e uma situação difícil, com um zagueiro contundido, um volante expulso, e contas a pagar. O salário do time estava atrasando, a condição física não era daquelas. A direção dependia de agiotas para fechar as despesas básicas do clube.
Em 2002, as vésperas da nova eleição, o time tomou outro gol, com mais um ano péssimo para a economia. 3×1. FHC culpou a instabilidade com a chegada prevista do novo técnico, que colocaria o time para jogar mais ofensivo e pela esquerda. Disse que isso dividiu o grupo e permitiu outro ataque especulativo.
No fim do ano de 2002, começo de 2003, nova partida começa, com novo técnico.
FHC de fato fez um gol, mas entregou uma situação difícil para o sucessor, que teria que virar a partida no jogo de volta.
Lula fez sua preleção e entrou com um esquema tático que ninguém esperaria dele. Manteve a organização da defesa nos moldes do Armínio Fraga, trocando o 6 (Fraga) por 1/2 dúzia (Henrique Meirelles). Mais: Antônio Palocci recuou o time todo para trás da linha da bola, com um forte arrocho chamado superávit primário. Tática completamente inesperada, que irritou a torcida organizada do treinador e inclusive gerou uma dissidência chamada PSOL.
Todo mundo ficou desconfiado, e o jogo passou 2003 inteiro com o Brasil sem marcar um gol, e sem vergonha de dar canelada e bola para o mato que o jogo é de campeonato. Tensão. Mas o treinador já preparava suas cartas na manga. Duas delas dariam bom resultado ainda no desenrolar do primeiro tempo.
Lula mandou aquecer 3 jogadores que nunca tinham entrado em campo. Sempre ouviam promessas de que teriam sua chance, mas na hora H sempre eram barrados, tachados de inexperientes, despreparados, não mereciam ser titulares. São as classes C, D e E. A comissão técnica preparou uma receita para colocá-los em forma: crédito consignado para expansão do consumo, aumento do salário mínimo e Bolsa Família. Outras formas de preparação, como Reforma Agrária e Fome Zero, não foram utilizadas ou abandonadas no meio do caminho. E eles ficaram lá, se aquecendo na beira do gramado.
A outra cartada na manga veio do meia-armador Celso Amorim. No governo FHC o ataque do comércio exterior insistia em centralizar as jogadas pelo meio, dando de cara com a forte trinca de zagueiros dos Estados Unidos, Comunidade Européia e Japão, que exerciam um forte protecionismo da área. Com a linha burra de impedimento chamada Alca, havia o risco dos atacantes do Brasil sempre estarem em posição irregular e jamais ficarem na cara do gol novamente. Amorim começou a acionar mais as jogadas (multi) laterais, com avanço pelas pontas. De um lado, os emergentes Rússia, Índia e China. Do outro, a integração com a América do Sul e a busca de mercados na África e Oriente Médio. Claro que a China estar ávida por commodities chegando na sua linha de (produção) fundo ajudou muito, mas é importante um técnico também ter estrela e aproveitar o momento. Essa diversificação de jogadas visava não parar de tentar tabelas pelo meio, mas abrir a zaga central e marcar um ou vários gols no comércio exterior. Foi por aí que o Brasil passou a ter superávit na balança comercial.
Gol do time de Lula, mas ainda 3X2 para os adversários. O técnico então colocou as classes C, D e E em campo, mais ou menos quando Zé Dirceu, um falso ponta (esquerda) do time, foi expulso de campo por simulação (mensalão) e Palocci por um escândalo envolvendo sexo e o caseiro da concentração.
Os novos jogadores melhoraram a distribuição da bola e da renda no campo e nas cidades também. A distância entre o primeiro e último jogador do time Brasil continuou enorme e injusta, mas diminuiu em relação ao que sempre foi um problema crônico do nosso escrete. O time ganhou novo ar e fôlego para crescer. Fica claro que dá para ir saindo do campo de defesa (baixando os juros) e voltar a exibir nosso futebol mais vistoso. O empate era questão de tempo, e veio quando até os mais ricos notaram que podiam tabelar com o consumo da Classe C, expandindo a economia e chegando juntos na cara do gol: 3X3.
Muita emoção!!!! Empate. Será que o time agora engrena?
Bem nessa hora o juiz apita o fim da primeira etapa. Muito bafafá de troca de treinador, mas é Lula que volta para o segundo tempo. Orienta o time para usar mais jogadas ensaiadas, que ele chama de PAC, para marcar mais gols, e não se contentar só com o empate.
O time volta muito bem no segundo tempo. Uma discreta alteração tática é notada por poucos. Meirelles deixa de ser volante e passa a atuar como líbero, reforçando as reservas do país, e trocando a dívida interna de moeda estrangeira para real. Essa nova posição do banqueiro central vai ser fundamental para nos livrar do FMI, e ainda mais em 2008, quando a crise econômica internacional, dos derivativos e sub-prime, passa driblando todo mundo, inclusive o goleiro e chega na cara do gol. Era um adversário terrível que já tinha feito muitos gols nas fortes seleções européias e norte-americana. Mas no bico da chuteira a zaga não só salva o gol adversário na risca da nossa meta, como ainda liga o contra-ataque usando os criticados bancos públicos, que a turma do mercado-financeiro-amendoim sempre defendeu que fossem vendidos para algum clube espanhol, como o Santander. Pois não é que os bancos públicos fazem um belo lançamento de longa distância de empréstimos que reanimam nossa economia em tempos de futebol recuado pelo mundo e ainda aumentam o valor do seu passe? Era nossa virada, 4 X3! As publicações especializadas estrangeiras (Marca, Olé, Gazzeta dello Sport e The Economist) louvam a solidez e bom futebol que os brasileiros exibem após anos de promessas.
Jovens craques recentemente adicionados ao time podem marcar ainda mais gols. O pré-sal promete até a Copa de 2014. E tem as Olimpíadas de 2016, que também serão jogadas em casa. A classe C amplia seu domínio do meio campo, com a redução das classe D e E. Enquanto seleções como a espanhola, inglesa e italiana sofrem com a falta de emprego, o Brasil tem é dificuldade de preencher as vagas abertas no mercado de trabalho.
Opinião desse comentarista: FHC teve alguns méritos, seu time saiu na frente e marcou um gol, mas entregou uma equipe em crise, perdendo feio. Lula manteve no começo algumas táticas e jogadores do antecessor, mas foi achando sua identidade, virou o jogo e se mostrou um treinador que antecipa as jogadas do adversário, que segue um plano tático mais adequado para a grandeza do futebol brasileiro.