Um palavrão tem sido citado menos do que deveria no debate sobre a política econômica do começo do governo Dilma. O palavrão chama-se “política anticíclica”. O pai desse insulto é John Maynard (nenhum grau de parentesco) Keynes.
No nosso debate público, quase sempre de horizonte curto e pouca disciplina intelectual, achamos Dilma/Mantega “incoerentes”. Foram junto com Lula gastões irresponsáveis em 2008, quando tais políticas ajudaram a evitar os efeitos da crise mundial no Brasil (contra os “responsáveis”, que então teriam quebrado o país). Agora seriam “traidores” das políticas de Lula ao usar o mesmo princípio de política anticíclica para gerir o crescimento da economia.
As política econômica anticíclica pode ser explicada da seguinte maneira: quando uma festa está chata, recomenda-se que os convidados bebam bastante (aumento dos gastos públicos) . Por outro lado, se a festa estiver muito animada porque os convidados estão muito bêbados, recomenda-se que parem de beber e abaixem a música antes de saírem quebrando a mobília (corte de gastos).
Grande parte dos economistas da esquerda adora recomendar Keynes quando a economia está deprimida. Como a economia brasileira passou décadas em depressão, parecem ter esquecido que quando as coisas animam, a prescrição de Keynes é muito parecida com as políticas ortodoxas. A diferença é mais no período e nas doses da medicação.
É claro que é dolorido, e injusto, ver o governo tratar aumento de salário mínimo para os trabalhadores como gasto público, e não ver da mesma forma o aumento de juros da dívida que vai parar no bolso dos mais ricos. Ou cortando investimentos públicos importantes e necessários (e disclaimer, como dizem nos Estados Unidos: nenhum dos dois me afetam diretamente!). Mas a crueldade dessa economia capitalista cruel é que o primeiro é inflacionário (inclusive por induzir crescimento) e o segundo não. (concordo bastante com a avaliação do economista Antonio Côrrea de Lacerda no link anterior)
E pode parecer uma bondade imensa defender o aumento do salário mínimo agora, desconsiderando a questão inflacionária que reduz o poder de compra de toda a força de trabalho, cuja maior parte dela, aliás, não tem o salário diretamente relacionado ao valor do mínimo (por mais que ele seja indutor de aumento e base de referência). É dar com uma mão e tirar com a outra.
Infelizmente a economia brasileira está forçando os limites de um crescimento com inflação razoável. Não acho que são 15 reais de salário mínimo, para o bem ou para o mal, que serão o fim do mundo ou a salvação da lavoura.
Mas acho difícil não reconhecer que a lógica dos ajustes do início do governo Dilma faz sentido na perspectiva do “conjunto da obra” de 4 anos (em artigo disponível para assinantes da Folha de S. Paulo, Vinícius Torres Freire usa de ironia e mau humor, mas mostra como avaliação do Itaú indica isso). O discurso do governo é seguir as regras de aumento do mínimo com as centrais nesse momento “ruim”, para conter pressões inflacionárias e poder dar o aumento generoso em 2012 fruto dos bons resultados de 2010 (e na lógica do mesmo acordo com as centrais).
É, enfim, garantir um crescimento sustentável e bem encaminhado entre 4% e 5% ao ano até 2014. Não é banal, ainda mais com o histórico do Brasil e de onde estamos partindo.
É parte da maturidade e da responsabilidade saber moderar no auge da festa para não quebrar a cara. Sinceramente, acho a equipe econômica (atual) muito mais madura nesse sentido do que a maioria dos seus críticos de direita e esquerda a consideram (em outras palavras, seguem subestimando o Mantega!).
No fundo, para resolver a equação juros-câmbio-crescimento econômico vai ser difícil separar ações anticíclicas de política neoliberais (a diferença delas mesmo só o tempo nos dará), e decisões difíceis e impopulares como o fim do rendimento garantido de 6% da popupança (que na prática gera um piso para a queda da Selic e que Lula não teve coragem de mudar) com sadismos e cara-de-pau das elites de querer retirar direitos trabalhistas em um ambiente de escassez de mão de obra. Há também discussões que são complicadas para os ortodoxos/mercado/liberais, como separar uma inflação “má” de uma parte “boa” do indíce composta de aumentos que fazem parte do processo de nos tornamos uma sociedade mais desenvolvida e que remunera melhor os trabalhadores. Mas isso é outra história…
De resto, as centrais sindicais estão no seu pleno direito e função de brigar por um salário mínimo maior, prova de que são menos pelegas do que se imagina e serem impopulares cortes em áreas sociais.
Eu fico até um pouco incomodado com tamanha tranquilidade, mas “que decepção”, acredito mesmo que nesse momento o governo está certo de fazer um ajuste fiscal. É menos um “O governo está certo” por si só quanto achar que estamos mais maduros, como sociedade, nesse debate, do que nós mesmo achamos que estamos.
Dito de outra forma, na imortal sabedoria de Mussum, talvez o governo esteja “certis” mesmo.